quarta-feira, 6 de junho de 2012

Internet e eleições

Joaquim Falcão
Especial para a Folha de S. Paulo


Nas últimas eleições, a Justiça não permitiu internet na campanha eleitoral. Agora, o Senado permitiu. A Câmara dará a palavra final até o dia 3 de outubro. As eleições nunca mais serão as mesmas. Por múltiplas razões. Primeiro, o eleitor estará mais mobilizado e proativo.
Jornais, revistas, rádio e televisão estabelecem comunicações de mão única. Deles para os eleitores. A internet é comunicação de mão dupla. Ou tripla. Dos eleitores com os candidatos, com os meios de comunicações e sobretudo entre si. Aliás, todos entre si. E, como o projeto não estabeleceu qualquer restrição às redes sociais — Orkut, Facebook, MySpace, UolK, Twitter —, nessas redes a campanha já começou. Não é preciso o cidadão esperar convenções de partidos ou escolha de candidatos.
Uma consequência do cidadão mais proativo (sic) é que deverão aumentar as denúncias infundadas contra candidatos e partidos, bem como as defesas apaixonadas. Aumentarão as mentiras e os desmentidos. Todos ficarão mais expostos. Como a difusão é imediata, podem chegar a milhares e milhões de eleitores, o dano ou benefício é também imediato.
Para os casos de injúria, calúnia e difamação haverá sempre o recurso da ida à Justiça. Que será sempre insuficiente. Porque é sempre a posterior. Quem terá que distinguir a mentira da verdade eletrônica será o próprio eleitor. A disputa ocorrerá na própria internet.
De blogs contra blogs. De site contra site. De rede contra rede. A internet é uma arena. Um longo aprendizado da cidadania responsável está apenas começando. É verdade que rádio e televisão atingem mais brasileiros do que a internet. E que ainda é pequeno o uso da internet em casa. Mas o crescimento da internet é o maior de todas as mídias. A tendência é crescente e inevitável. Em julho, o número de usuários cresceu cerca de 10% em relação a junho. De 33 milhões para mais de 36 milhões.
Sem contar as lan houses. A liberação da internet terá consequência de mão dupla: aumentará a participação dos cidadãos nas eleições e ao mesmo tempo estimulará mais usuários no dia a dia da internet. Segundo, é que o voto do eleitor jovem vai crescer em importância. Eles são quem mais usa internet. Representam mais do que 20% dos eleitores.
A internet deve estimular a inclusão do jovem na política. Seus valores e interesses referentes, por exemplo, a sexo, família, ecologia e cultura são diferentes. Os jovens são mais atingidos na oferta e redução de emprego. Partidos e candidatos terão que ter propostas específicas para eles.
Terceiro, o uso da internet como infraestrutura para o financiamento popular do candidato e do partido também deve crescer. Não instantaneamente, é claro. Mas a internet agiliza a doação individual eletrônica através de transações bancárias, contas de telefone e cartões de créditos. São doações mais fáceis, rápidas, legais e de maior controle pela Justiça.
Esse foi o diferencial decisivo na campanha de Obama. Sua campanha custou US$ 744,9 milhões, dos quais US$ 500 milhões arrecadados via internet.
A contribuição média foi de US$ 77 por cidadão. Ou seja, R$ 145. O peso relativo das doações de campanha das empresas deve cair. Com microdoações pulverizadas, os candidatos estarão menos dependentes de um grupo, ou daquela empreiteira.
Sem falar que será difícil a Justiça controlar a interferência ilegal de sites localizados em outros países. A internet é global. O risco, pequeno talvez, é de exportar a campanha eleitoral, para sites globais onde a lei brasileira não chega.
Até agora o Senado manteve a liberdade mais ampla, a não ser para sites empresariais, onde, em nome da imparcialidade, limitou a propaganda em sites de pessoas jurídicas, que não sejam provedores de internet e de informações ou sites de pesquisa, e em sites de órgãos governamentais. E regulou também o acesso aos debates.
O desafio maior da lei ao regular os meios de comunicação na campanha eleitoral é justamente este: por um lado, manter a experiência brasileira de sucesso de controlar a participação excessiva do poder econômico e do poder dos governos nas campanhas. De outro, assegurar voto livre e liberdade de expressão a todos.

Folha de S. Paulo, Brasil, 17/9/2009.
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Joaquim Falcão é professor de direito.




Senado libera internet na eleição, mas limita debate
Fábio Zanini

Após recuo do relator da nova Lei Eleitoral, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o Senado aprovou ontem, em votação simbólica, a liberação da cobertura das campanhas pela internet, mas com uma exceção relativa aos debates.

Apesar de não serem concessão pública, sites e portais de internet terão de seguir as regras estabelecidas para debates organizados por rádios ou TVs: ao menos dois terços dos candidatos precisarão ser chamados, entre eles os pertencentes a partidos com dez parlamentares no Congresso ou mais.

O texto final aponta para duas direções distintas. Ao mesmo tempo em que estabelece regra para os debates na internet, assegura, em outro trecho, que "é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet -, assegurado o direito de resposta".

Este texto foi aceito por Azeredo no último momento, após intensa pressão de diversos senadores. A versão inicial do tucano previa punições para sites que expressassem favorecimento a algum candidato, mas sem definir o que seria isso, abrindo brecha para censura.

A matéria agora volta para a Câmara, onde ainda poderá ser alterada pelos deputados. Ela tem que seguir depois para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ser publicada até 2 de outubro para valer para a eleição do ano que vem.

Em razão da incoerência sobre a internet, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) votou contra o texto final. "Não tem sentido colocar restrições ao debate se a internet foi liberada. É uma exigência descabida", declarou o petista.

Azeredo, por ser relator, teria poder de ajustar a incongruência na redação final, mas não fará mudanças. "Está garantida a liberdade da internet, é o que importa. Não há mais como mudar o mérito do texto."

Outras mudanças aprovadas ontem dizem respeito à realização de eleição direta sempre que houver a cassação de mandatos de governadores e prefeitos pela Justiça Eleitoral.

O Senado aceitou incluir a regra no projeto de lei da reforma, rejeitando a alternativa colocada: eleição indireta, por Assembleias e Câmaras Municipais, do sucessor do titular do cargo que perder o mandato na metade final - ou seja, a partir do terceiro ano.

Agora, a eleição direta ocorrerá em qualquer momento do mandato, mesmo que faltem poucos dias para sua conclusão. Por isso, segundo a Folha apurou, deve haver nova mudança na Câmara dos Deputados.

Outras mudanças foram a exigência de que sejam apresentados os currículos na hora de registrar a candidatura, e a permissão para que os sites de partidos possam continuar no ar até o dia da eleição.

Na semana passada, uma emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS) colocou que candidatos devem ter "reputação ilibada", mas sem definir os critérios que mediriam essa exigência.

Foram rejeitadas duas emendas do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que davam mais transparência à prestação de contas eleitorais.

Uma delas exigia a divulgação dos nomes dos doadores ainda durante a campanha. Outra dava mais clareza à chamada "doação oculta", determinando quais os candidatos foram beneficiados por contribuições feitas por pessoas físicas ou jurídicas direcionadas aos partidos.

Hoje, a doação é feita ao partido, que a repassa ao candidato, perdendo-se o vínculo direto entre doador e beneficiado. Também foi rejeitada emenda de Álvaro Dias (PSDB-PR) que permitia a volta dos outdoors para campanhas majoritárias.

Foram recusados a impressão de 2% dos votos eletrônicos e o voto em trânsito para presidente, conforme havia sido incluído pela Câmara.


Folha Online, 16/9/2009. Disponível em .